Etiqueta: Justiça e Paz

07 Mar 2025

“A Proximidade, Caminho de Esperança” – Reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz para a Quaresma de 2025

A reflexão quaresmal, desta vez, traz o coração apertado porque, enquanto fonte inspiradora da nossa reflexão, o Papa Francisco vive a ‘sua’ Quaresma desafiando-nos a que «caminhemos juntos na esperança».

E a esperança é a nossa alma.

De facto, o “juntos” não é um amontoado, mas a presença fraterna de uma ‘caminhada com’ e nunca solitária, por mais autossuficientes que nos consideremos.

Olhamos à nossa volta e o nosso coração é invadido por tantas interrogações e perplexidades.

A solidão dita as suas leis avivando as feridas da indiferença.

Vivemos um farisaísmo genérico onde nos agarramos à lei e aos protocolos em vez da pessoa; vivemos o cinismo do abandono dos mais velhos e de quem não é produtivo; vivemos a solidão das crianças na sua autorreferencialidade, dos adolescentes e dos jovens que não veem perspetivas de futuro, sem experimentarem a felicidade de uma relação de reciprocidade fora dos ecrãs em que vivem agarrados; vivemos um desnorte com uma educação ilusória onde a aprendizagem se crê isenta de dificuldades e necessidade de esforço; vivemos medrando numa alergia à vida nas suas várias etapas; vivemos indiferentes ou acirrados contra migrantes separados das suas famílias e sujeitos a condições miseráveis, indiferentes ao tráfico humano de mulheres para a prostituição e de crianças vendidas para pedintes aproveitando-se da nossa ‘pena’ por uma infância desvalida.

O impensável parece poder acontecer num mundo que, tendo já experimentado tantas vezes a loucura da guerra, não é capaz de romper a atração pelo abismo bélico.

Podemos ser tentados a baixar os braços, a sentir a derrota, a não abraçar a dor com nome próprio, a não saborear as lágrimas amargas da solidão ou do desespero.

Ligamo-nos a equipamentos tecnológicos que nos permitem chegar a tantos e que ao mesmo tempo exacerbam o nosso individualismo.

Mas nenhuma dessas vias trará resposta aos nossos problemas.

A mudança só é possível através da criação de redes de proximidade e de uma paz que recusa a ambição económica sem escrúpulos. De uma paz que se constrói com investimento na cooperação e na solidariedade. Pois, como diz o Papa na sua mensagem, «Caminhar juntos significa ser tecelões de unidade, partindo da nossa dignidade comum de filhos de Deus; significa caminhar lado a lado, sem pisar ou subjugar o outro, sem alimentar invejas ou hipocrisias, sem deixar que ninguém fique para trás ou se sinta excluído».

Todos temos a mesma dignidade.

É este caminho conjunto que deve aprimorar no nosso coração a vizinhança e o acolher “misericordiando”, como ensina o Papa Francisco.

Que as nossas casas, as paróquias, os movimentos, os nossos locais de trabalho e lazer sejam lugares de proximidade sem fazer aceção de pessoas (nacionais ou migrantes; ricos ou pobres; sãos ou doentes), e que o toque das nossas mãos seja o de Jesus.

Será este o antídoto para vencermos as barreiras e o mal contagioso do individualismo.

Só chegaremos ao coração de Deus Amor, fazendo caminho juntos, através da proximidade, do serviço, do colocar a toalha à cinta e lavar os pés ao próximo, a começar pelos últimos. Mesmo que o caminho seja pedregoso, e por carreiros e becos pouco recomendáveis.

Esta deve ser “a Quaresma”, o tempo privilegiado para reavaliarmos a nossa vida à luz do Evangelho que requer também uma atitude de humildade e reconhecimento de nossas próprias fraquezas e pecados, sentindo – como disse recentemente o Papa Francisco a partir do hospital – «no coração a ‘bênção’ que se esconde na fragilidade».

Por isso é um tempo de conversão sincera, onde desabrocha a misericórdia, a esperança e o compromisso com os mais necessitados.

A Quaresma carrega consigo a esperança da Páscoa, a razão do nosso ser cristãos.

Apesar de um céu cinzento, podemos almejar um arco-íris de paz, de solidariedade e fraternidade. Arrisquemos a proximidade como caminho de esperança.

Nesta Quaresma, façamos do caminhar estímulo para ousarmos construir um mundo diferente;

Nesta Quaresma, façamos do caminhar juntos, como comunidade cristã e como comunidade humana, critério para aferir a nossa fidelidade ao projeto de Deus para a humanidade;

Nesta Quaresma, façamos do caminhar juntos na esperança testemunho do nosso compromisso com a promoção da justiça e da paz como impulso da novidade da ressurreição.

Lisboa, 6 de março de 2025

A Comissão Nacional Justiça e Paz

15 Out 2024

Justiça e Paz: Manifesto de organizações católicas denuncia precariedade e pobreza dos trabalhadores

Oito organizações católicas lançaram, no dia 12 de outubro, um apelo conjunto, denunciando a precariedade e pobreza dos trabalhadores, no final da conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, noticiou a Agência ECCLESIA.

“Em Portugal persiste o fenómeno dos ‘working poor’ (trabalhadores com rendimentos que não lhes permitem superar a pobreza), persiste o trabalho ilegal e/ou clandestino, persistem, ainda, elevados índices de precariedade, e não desapareceu a necessidade de combater as desigualdades no trabalho entre homens e mulheres”, refere o texto, divulgado no final dos trabalhos.

O manifesto é assinado pela ACR – Ação Católica Rural, ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, Cáritas Portuguesa, CNJP – Comissão Nacional Justiça e Paz, Federação Solicitude, JOC – Juventude Operária Católica, LOC/MTC – Liga Operária Católica/Movimento dos Trabalhadores Cristãos e o Metanoia – Movimento Católico de Profissionais.

A conferência anual da CNJP decorreu esta manhã, no Centro Cultural Franciscano, em Lisboa, com o tema ‘O desafio do trabalho digno num mundo em mudança’.

O manifesto alerta para a precariedade que “atinge hoje grande número de trabalhadores e de modo particular os jovens, o que em muito dificulta a realização dos seus projetos pessoais, como o de constituir família”.

“Novas formas contratuais, como as relativas ao trabalho em plataformas digitais, acentuam essa precariedade e não protegem devidamente direitos laborais anteriormente consolidados”, acrescenta o texto.

As organizações católicas defendem o domingo como dia livre para trabalhadores e suas famílias, considerando que se impõe, “em muitas situações, a redução e reorganização dos horários de trabalho”.

O manifesto adverte ainda que a transição digital e a transição energética, bem como recurso à inteligência artificial, “contribuirão para a destruição de muitos empregos e a reconversão profissional dos trabalhadores afetados não será isenta de dificuldades”.

Os signatários entendem que “não se têm registado os desejáveis progressos no âmbito da segurança no trabalho”, apelando à defesa dos agricultores d e dos trabalhadores imigrantes.

“Um dos melhores caminhos para efetivar a justiça social e o trabalho digno é o de aumentar os níveis de autorregulação por parte dos parceiros sociais, isto é, aumentar e promover o diálogo social, nomeadamente através da negociação coletiva”, prossegue o documento.

“O caminho para uma sociedade mais justa só se alcança com melhor distribuição da riqueza, com melhores condições de trabalho que promovam a saúde e bem-estar dos trabalhadores, com formação profissional de qualidade e com o aumento da produtividade; por consequência, teremos empresas mais saudáveis e trabalhadores mais motivados”, lê-se.

As organizações católicas subscrevem o apelo do Papa em favor de um “salário básico universal”, lançado a 20 de setembro, na sessão comemorativa do 10.º aniversário do I Encontro Mundial dos Movimentos Populares.

“Em tempos de automatização e inteligência artificial, em tempos de informalidade e precarização laboral, que ninguém seja excluído dos bens básicos necessários para a subsistência”, disse Francisco, no Vaticano.

O manifesto é precedido por um elenco de princípios da Doutrina Social da Igreja, como a justa remuneração, a dimensão social do trabalho, o equilíbrio com a vida familiar, o combate à pobreza, os sindicatos e o objetivo do pleno emprego.

“Nas grandes decisões estratégicas e financeiras, os empresários não podem seguir apenas critérios de natureza financeira ou comercial, esquecendo a dignidade humana dos trabalhadores”, indicam os responsáveis.

05 Ago 2024

Nota das Comissões Justiça e Paz: A erradicação da Pobreza como desígnio nacional

De acordo com o Relatório “Portugal, Balanço Social 2023”, publicado em maio pela Nova School of Business and Economics, a taxa de risco de pobreza era em 2023 de 17%. Isto significa que há cerca de 1,8 milhões de pessoas em risco de pobreza em Portugal. Mais de metade das famílias pobres tem rendimentos abaixo de 50% do rendimento mediano nacional.

É sabido que a erradicação da pobreza é uma tarefa complexa e que deve ser feita por meio da intervenção coordenada de várias frentes (educação, saúde, habitação, políticas de emprego, formação profissional e proteção social), de forma a promover um desenvolvimento humano integral. Ainda assim, os autores deste estudo chamam a atenção para que em 2022 seriam necessários tão-só três mil milhões de euros para, em Portugal, retirar de imediato todas as famílias da pobreza (1,5 % da despesa estimada no Orçamento do Estado para 2024, para um termo de comparação).

Mas a erradicação da pobreza não é apenas uma questão de dinheiro. Não se avançará no sentido de uma erradicação plena da pobreza sem a mobilização de todos, tendo em vista a construção de uma sociedade assente no respeito pelo outro, na entreajuda e na intransigência contra tudo aquilo que coloque qualquer pessoa em situação indigna de vida.

O respeito pleno pela dignidade humana só é garantido se, a cada momento, todas as pessoas se encontrarem em condições de honrar a sua humanidade. Ou seja, só é garantido se, a cada momento, todos tiverem condições de gerir a sua vida sem condicionamentos ditados pela necessidade ou pela situação de extrema vulnerabilidade.

Perante estes números, ninguém deveria ficar indiferente. Na cena política, este deveria ser tomado nos próximos anos como “o” tema central, do qual depende a construção de uma sociedade mais humana, mais coesa e mais próspera. Só um consenso em relação ao bem comum pode gerar uma transformação dos paradigmas sociais, económicos e políticos.

Também os cristãos não podem ser indiferentes à pobreza. Seja com proatividade no combate a situações de desumanidade com que se deparam, seja contrariando sentimentos de desamor e distância em relação ao próximo, o empenho no amor ao outro deve ser assumido como central no processo de conversão pessoal e na vida das comunidades. Não há amor a Deus sem amor ao próximo.

As Comissões Justiça e Paz apelam a que a luta contra a pobreza seja assumida como o desígnio nacional nos próximos anos. Tem de haver um consenso em torno do respeito pelo igual valor e dignidade de todos e um consenso de que existem circunstâncias que nenhuma pessoa deveria suportar.

 

Lisboa, 5 agosto 2024

Comissão Nacional Justiça e Paz

Comissão Justiça, Paz e Ecologia da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP)

Comissão Diocesana de Aveiro

Comissão Arquidiocesana de Braga

Comissão Diocesana de Bragança–Miranda

Comissão Diocesana de Coimbra

Comissão Arquidiocesana de Évora

Comissão Diocesana de Lamego

Comissão Diocesana de Santarém

Comissão Diocesana de Setúbal

Comissão Diocesana de Viana do Castelo

Comissão Diocesana de Vila Real