Sexta-feira Santa I Celebração da Paixão do Senhor: “Jesus tem sede de nós: da nossa fidelidade, da nossa libertação e do nosso amor”, disse o Arcebispo de Évora (com fotos, com vídeo e homilia)
A Semana Santa 2024 está a ser vivida em pleno na Catedral de Évora, assim como por toda a Arquidiocese.
Nesta Sexta-feira Santa, dia 29 de março, pelas 15h00, na Catedral, o Prelado Eborense presidiu à celebração da Paixão do Senhor.
A Eucaristia, animada liturgicamente pelo coro Stella Matutina e transmitida em direto pelos canais digitais da Arquidiocese de Évora, numa produção do Departamento de Comunicação com o apoio da Comunidade Canção Nova de Évora, contou com a presença de muitos fiéis que encheram a Catedral eborense.
À homilia (ler abaixo na íntegra), o Prelado eborense começou por dizer que “Jesus consumou a Sua missão e consumiu a Sua vida: consumiu a Sua vida ao consumar a Sua missão. Estará tudo terminado?”, questionou, respondendo de seguida: “É óbvio que Jesus morreu. Mas os primeiros cristãos não entenderam a Sua morte como o fim de tudo, mas o início de uma Vida Nova. A Liturgia Pascal, como expressão da Fé da Igreja, garante que Jesus «destruiu a morte».”
“Desde sempre, a Igreja acredita ter nascido não «do lado morto», mas do «lado adormecido» de Cristo. Também nós, adormecendo em Cristo, com Ele ressuscitaremos”, sublinhou o Arcebispo de Évora.
“Acresce que a «entrega do Espírito» não tem de ser um indicador de morte. «Entregar o Espírito» (a Deus e aos homens) é uma poderosa demonstração de vida, é dar a vida no gesto maior do Amor: “Não há maior prova de amor do que dar a vida pelo irmão”(Jo 15, 13-15). Jesus consumiu a sua vida dando a vida, morrendo para si e dando a vida pelo irmão. Hoje Ele entrega a sua vida depositando-a nas mãos do Pai. Eis o sentido da morte cristã. Haja em vista que, na Bíblia, o Espírito é sinónimo de vida, pelo que entregar o Espírito, pneuma, é entregar a vida (cf. Jo 6, 63). Não foi o que Jesus sempre fez?”, questionou D. Francisco Senra Coelho, que acrescentou: “Eis-nos perante o desafio de revelar um novo rosto de Igreja, que como Mãe de coração aberto, acolhe e dá a vida. Eis o desafio de vivermos nesta Semana Santa de 2024, o mandato de Jesus, assumindo no nosso compromisso pastoral: “Por isso reconhecerão que sois meus discípulos: Se vos amardes uns aos outros como eu vos amo” (Jo 13, 35).”
“Jesus é a «vida para os mortos» e também para todos nós quando estamos interiormente mortos pelo pecado, Ele é capaz de nos ressuscitar e oferecer a Vida Nova”, sublinhou o Prelado eborense.
“Jesus tem sede de nós: da nossa fidelidade, da nossa libertação e do nosso amor. Que nós, os seus Discípulos do Século XXI, tenhamos sede d’Ele como Ele tem sede de nós. Na Sua morte, disponhamo-nos a transformar a nossa vida e a sermos testemunhas missionárias da humanização e da redescoberta da autêntica caridade, pela dádiva da nossa vida”, apelou D. Francisco Senra Coelho, concluindo a homilia: “Ele que é a vida eterna. Ele que é o amor diz-te porque te amo nunca morrerás. Pela dádiva da nossa vida encontremos a Vida”.
A Celebração da Paixão do Senhor contou ainda com a Adoração da Cruz e a Comunhão. O Ofertório foi para os lugares santos da Palestina.
HOMILIA DA PAIXÃO DO SENHOR
29-III-2024
1. Tudo está consumado (cf. Jo 19, 30). E todo Ele está consumido. Jesus consumou a Sua missão e consumiu a Sua vida: consumiu a Sua vida ao consumar a Sua missão. Estará tudo terminado com o túmulo fechado? É óbvio que Jesus morreu. Mas os primeiros cristãos não entenderam a Sua morte como o fim de tudo, mas o início de uma Vida Nova, morreu para viver. A Liturgia Pascal, como expressão da Fé da Igreja, garante que Jesus «destruiu a morte». À Luz da mesma Fé, Santo Agostinho ensina que Jesus, com a Sua morte, matou a morte: «em Si, Ele matou a morte»!
Guiados por São João, que espelha a Fé das primeiras comunidades cristãs, no relato que ouvimos não é dito – explicitamente – que Jesus morreu. O que ouvimos, nesta Sexta-Feira Santa, é que, após ter dito que «tudo estava consumado», Jesus «inclinou a cabeça» e «entregou o Espírito» («parédôken tò Pneuma») [Jo 19, 30]. Sucede que inclinar a cabeça é próprio não só de quem morre, mas também de quem adormece para acordar e viver de novo. Desde sempre, a Igreja acredita ela mesma ter nascido não «do lado morto», mas do «lado adormecido» de Cristo. Também nós, adormecendo em Cristo, com Ele ressuscitaremos.
Acresce que a «entrega do Espírito» não tem de ser um indicador de morte. «Entregar o Espírito» (a Deus e aos homens) é uma poderosa demonstração de vida, é dar a vida no gesto maior do Amor: “Não há maior prova de amor do que dar a vida pelo irmão”(Jo 15, 13-15). Jesus consumiu a sua vida dando a vida, morrendo para si e dando a vida pelo irmão. Hoje Ele entrega a sua vida depositando-a nas mãos do Pai. Eis o sentido da morte cristã. Haja em vista que, na Bíblia, o Espírito é sinónimo de vida, pelo que entregar o Espírito, pneuma, é entregar a vida (cf. Jo 6, 63). Não foi o que Jesus sempre fez? Eis-nos perante o desafio de revelar um novo rosto de Igreja, que como Mãe de coração aberto, acolhe e dá a vida. Eis o desafio de vivermos nesta Semana Santa de 2024, o mandato de Jesus, assumindo no nosso compromisso pastoral: “Por isso reconhecerão que sois meus discípulos: Se vos amardes uns aos outros como eu vos amo” (Jo 13, 35).
2. É verdade que Ele foi dado como morto (cf. Jo 19, 33) e sepultado (cf. Mc 15, 46). Espantoso é, todavia, o significado teológico atribuído a este facto biológico. É que Jesus — mesmo depois de tudo ter consumado e de todo Ele Se ter consumido — não parou de Se entregar. São João é o único evangelista que nos dá conta do soldado que «picou» o «lado» de Jesus com uma lança (cf. Jo 19, 34). Sim, «picou». Segundo os exegetas do Novo Testamento, a tradução mais fiel do que se encontra no texto: «ényxen» é o aoristo do verbo «nýssô», que quer dizer «picar» ou «perfurar». Seria uma espécie de certidão de óbito daquele tempo: de facto, está morto! Habitualmente, as traduções dizem que o soldado «trespassou» o lado de Jesus. E, no fundo, este acto de «picar» foi um autêntico «trespasse»: de um lado para o outro; João testemunha, atesta que do lado de dentro jorrou para o lado de fora, do lado de Deus para o lado do homem.
É do lado de dentro (isto é, do lado de Deus) que brotam as fontes da salvação: o «sangue e a água» (cf. Jo 19, 34). Mas como seria possível dar mais quem já tinha dado tudo? Acontece que Jesus é dádiva sem fim, é dádiva até para lá do fim. O «sangue e a água» que correm do Seu lado aberto continuam a escorrer pelo mundo inteiro: a água para lavar e o sangue para redimir. A água sempre foi vista como alusão ao sacramento do Baptismo e o sangue sempre foi acolhido como símbolo do sacramento da Eucaristia.
Admirável é que, uma vez mais, se faça sobressair uma luminosa afirmação de vida. A intenção de espetar a lança — e trespassar o corpo — era para testar a morte. Só que aquele coração estava repleto de vida: da vida que, pelo Seu Filho, Deus ofereceu à humanidade. Como recordou o Papa Pio XII foi «do coração ferido do Redentor que nasceu a Igreja». O coração sinaliza o imenso amor «que moveu o nosso Salvador a celebrar o Seu místico matrimónio com a Igreja».
É curioso notar como também Eva, a primeira mulher da humanidade, fora constituída a partir do lado (tselá) do primeiro homem adormecido (cf. Gen 2, 21-22). Não é, portanto, em vão que o Catecismo sufraga esta conexão: «Da mesma forma que Eva foi formada do lado de Adão adormecido, também a Igreja nasceu do coração trespassado de Cristo morto na Cruz».
3. Amanhã, Sábado Santo, com Maria, Mãe e Modelo de todos nós, Discípulos Missionários, iremos acompanhar Jesus na sepultura. Também esta é encarada não como um lugar de aniquilamento, mas de repouso. Os Cristãos chamaram na antiguidade e continuam a denominar aos campos onde são sepultados os mortos “cemitérios”, que significa “dormitórios”, consequência do sono de Cristo. Tal como Deus repousa após a obra da criação (cf. Gen 2, 2), também o Filho de Deus repousa após a obra da redenção. Viveremos para sempre o oitavo dia. Neste Seu repouso, Jesus está em plena actividade. Ele vai aos infernos, ou seja aos inferiores da criação, visitar os mortos. Como refere um conhecido texto do século IV, Jesus «faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte». Jesus é a «vida para os mortos» e também para todos nós quando estamos interiormente mortos pelo pecado, Ele é capaz de nos ressuscitar e oferecer a Vida Nova.
Vida Nova que consiste exatamente neste dar a vida, sabendo que é na morte para o nosso egoísmo, autossuficiência e orgulho que havemos de encontrar a chave da Vida Nova, a alegria que nos vem de dar a vida, de nos cruzarmos com os olhos brilhantes daqueles que beneficiam da nossa vida, de nos tornarmos úteis com a dádiva da nossa existência. Viver para nós, enrolados em nós é a experiência da solidão absoluta e da tristeza.
Santo Agostinho percebeu que Jesus, ao nascer para morrer, nasceu para viver a nossa morte. «Participando da nossa morte, torna-nos participantes da Sua vida». Jesus muda tudo: Ele vai ao ponto de nos «vitalizar» na própria morte!
A vida de Jesus não termina, mas é transfigurada pelo Espírito que nos entrega «da parte do Pai» (Jo 15, 26). É no Espírito que Jesus vive eternamente. É no Espírito que também nós viveremos para sempre. Percebemos, irmãos e irmãs, que a sede de Jesus antes do último suspiro (cf. Jo 19, 28) não é sede do fel e do vinagre que Lhe foram dados (cf. Jo 19, 29.30). Jesus tem sede de nós: da nossa fidelidade, da nossa libertação e do nosso amor. Que nós, os seus Discípulos do Século XXI, tenhamos sede d’Ele como Ele tem sede de nós. Na Sua morte, disponhamo-nos a transformar a nossa vida e a sermos testemunhas missionárias da humanização e da redescoberta da autêntica caridade, pela dádiva da nossa vida.
Ele que é a vida eterna. Ele que é o amor diz-te porque te amo nunca morrerás. Pela dádiva da nossa vida encontremos a Vida.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora