HOMILIA
Encerramento Ano Jubilar (Sagrada Família)
28/XII/2025
Reunimo-nos nesta Catedral Metropolitana, Igreja Mãe da Arquidiocese para darmos graças ao Senhor pelo Dom do Jubileu vivido neste Ano Santo 2025. Rezamos pelos seus frutos de Luz e de Paz. Que o Ano Santo imprima em nossas vidas renovado vigor e inspiração para com Deus fazermos ressurgir a beleza da caridade e os Hinos de louvor ao Pai do Céu, pela fraternidade universal.
- Atravessamos ainda a Solenidade do Natal do Senhor, dado que esta Solenidade se prolonga durante oito dias (Oitava) até à Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, que se celebra no primeiro Dia de Janeiro.
O Natal do Senhor põe diante do nosso olhar contemplativo uma Família humilde e bela, Jesus, Maria e José, mas traz também consigo uma forte sensibilidade Familiar, tornando-se o tempo forte da reunião festiva das nossas Famílias. Estes dois acertos são importantes para se compreender a razão pela qual, no Domingo dentro da Oitava do Natal, a Igreja celebra a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José.
- Dentro da temática da Família, o Antigo Testamento traz-nos hoje um extrato sapiencial retirado do Livro de Ben Sira 3,2-6.12-14, e que nos convida ao amor dedicado aos nossos pais sempre, para que o Senhor ponha sobre nós o seu olhar de bondade e de graça.
Também o Apóstolo Paulo, na Carta aos Colossenses 3,12-21, exorta esposos, pais e filhos ao amor mútuo, mostrando ainda de que sentimentos nos devemos vestir por dentro e com que música devemos encher o nosso coração. Salta à vista que a misericórdia, a bondade, a humildade, a mansidão, a longanimidade, o amor, o perdão, são vestes importantes para a festa da vida. Nesta época de bastante consumismo, convém que nunca nos esqueçamos de Deus, pois é Ele, e só Ele, que veste carinhosamente o coração e as entranhas dos seus filhos, não cedamos ao materialismo que nos deixa nus e vazios por dentro!
- As 45 palavras hebraicas do Salmo 128 enchem-nos de paz, luz, serenidade. Respira-se também a fragrância da videira e a juventude da oliveira. Mas a família cantada neste Salmo não está fechada sobre si mesma, mas aberta à comunidade por Deus abençoada. Portanto, do perímetro da casa e da mesa em que vivem e se sentam pais e filhos, avista-se e sente-se a paz da Cidade Santa, Jerusalém.
- O contexto litúrgico do Evangelho, lembra-nos como a família de Nazaré estava plenamente inserida nas realidades humanas do seu tempo. Os seus membros escutam a voz de Deus, enquanto sofrem a perseguição. Quanto ao contexto bíblico, toda a passagem de Mt 2, 13-23, tem por fim demonstrar com os factos como Jesus realiza ou revive em si, desde a infância, a experiência do povo de Israel. Vai para o Egipto (vv.13-14; Gn 46, 1-4), representa o povo libertado e libertador (v. 15): nele, em união com ele, como o antigo povo em união com Moisés (1 Cor 10, 2), o novo povo de Israel, a Igreja, reconhece-se salvo. Também o termo nazareno (v. 23), que pode remontar a Is 11, 1: nezer (rebento do tronco), indica em Jesus o iniciador do novo povo, a Igreja, e um iniciador na humildade de quem serve, vem para servir e não para ser servido.
- Assim, percebemos que a sagrada família, ao ser perseguida, como migrante em terra estrangeira é a recapitulação de uma história que foi a de Abrão, Israel e seus filhos, do povo que fez aliança com o Deus vivo. De facto, Abrão tinha ido ao Egipto por um tempo por causa da fome, assim como Jacob e seus filhos. A história de Jesus encontra um paralelo na de Moisés. Ameaçado de morte pelo Faraó (Ex 2, 15), fugindo para uma terra estrangeira, e chamado de volta do exílio para cumprir a sua missão (Ex. 4, 19-20).
Na Família de Nazaré, podemos também reconhecer os traços de muitas famílias que hoje vivem em condições difíceis, que buscam apoio para acompanhar um filho ou filhos em condições precárias no processo educativo, para estabelecer uma possível comunicação intergeracional.
Na Carta aos Colossenses, talvez escrita enquanto estava preso em Roma, Paulo, antes de dirigir às famílias (marido, esposa e filhos), fala do fundamento da família, que é acção gratuita e salvífica de Deus em Cristo. Porque Deus nos escolheu “santos e amados”, somos capacitados a praticar a caridade mútua; o perdão que recebemos de Deus dá origem à possibilidade de perdoarmos uns aos outros: «Assim, como o Senhor nos perdoou, também, vós o deveis fazer.» As relações familiares terão de ser moldadas pelo encontro com Deus: embora consistentes com as categorias culturais e sociais em que Paulo vive e pensa, a ênfase está na raiz teológica do amor, e conclui: «como convém no Senhor».
Neste domingo, as famílias cristãs, são chamadas a confrontar autenticamente a sua própria situação. Segundo o Decreto sobre o Apostolado dos Leigos, a família é o «santuário doméstico da Igreja» e a «primeira e vital célula da sociedade» (n. 11). Uma pergunta se nos impõe: que lugar tem Deus e a fé na minha família?
- Caros Irmãos e Irmãs, na sua Carta Apostólica “IN UNITATE FIDEI”, publicada a 23 de novembro do corrente ano, o Papa Leão XIV adverte que: «É uma coincidência providencial que neste Ano Santo, dedicado à nossa esperança que é Cristo, se celebre também o 1700º aniversário do primeiro Concílio Ecuménico de Nicéia, que proclamou, no ano de 325, a profissão de fé em Jesus Cristo, Filho de Deus. Isto constitui o coração da fé cristã. Ainda hoje, na celebração eucarística dominical, pronunciaremos o Credo Niceno–Constantinopolitano, profissão de fé que une todos os cristãos. É a fé nos dá esperança nos tempos difíceis que vivemos, no meio das muitas preocupações e medos, ameaças de guerra e violência, desastres naturais, graves injustiças e desequilíbrios, fome e miséria sofridas por milhões de nossos irmãos e irmãs».
- No nº 11, desta Carta Apostólica, Leão XIV afirma: «No centro do Credo Niceno–Constantinopolitano está a profissão de fé em Jesus Cristo, nosso Senhor e Deus. Este é o coração da nossa vida cristã. Por isso, comprometemo-nos a seguir Jesus como Mestre, companheiro, irmão e amigo. Contudo, o Credo Niceno pede mais: lembra-nos, com efeito, que não devemos esquecer que Jesus Cristo é o Senhor (Kyrios), o Filho do Deus vivo, que «pela nossa salvação desceu do céu» e morreu «por nós» na cruz, abrindo-nos o caminho para uma vida nova com a sua ressurreição e ascensão.
Seguir Jesus Cristo certamente não é um caminho largo e confortável, mas este caminho, muitas vezes exigente ou mesmo doloroso, conduz sempre à vida e à salvação (cf. Mt 7, 13-14). Os Atos dos Apóstolos falam da nova via (cf. Act 19, 9.23; 22, 4.14-15.22), que é Jesus Cristo (cf. Jo 14, 6): seguir o Senhor compromete os nossos passos no caminho da cruz, que através do arrependimento nos conduz à santificação e à divinização. Eis-nos na continuidade da nossa caminhada de Ano Santo enquanto Peregrinos de Esperança.
Se Deus nos ama com todo o seu ser, então também nós devemos amar-nos uns aos outros. Não podemos amar a Deus, que não vemos, sem amar também o irmão e a irmã que vemos (cf. 1 Jo 4, 20). O amor a Deus sem o amor ao próximo é hipocrisia. No seguimento de Jesus, a ascensão a Deus passa pelo abaixamento e pela dedicação aos irmãos e irmãs, sobretudo aos últimos, aos mais pobres, abandonados e marginalizados. O que fizemos ao menor destes, fizemos a Cristo (cf. Mt 25, 31-46). Perante as catástrofes, as guerras e a miséria, só podemos testemunhar a misericórdia de Deus às pessoas que duvidam d’Ele, quando elas experimentam a sua misericórdia através de nós», conforme indica também a Carta Fratelli Tutti. Eis a nossa aliança com a Caridade Fraterna.
- Em forma conclusiva e de compromisso, permiti que vos lembre o nosso Plano Pastoral para este ano. Nele, sublinha-se que: «a vivência do Ano Santo deverá levar os cristãos a uma atitude de compromisso mais efectivo na comunidade. Não basta celebrar alguns momentos de alegria jubilar antes é necessário que o espírito jubilar nos contagie para o espírito de serviço. Uma comunidade realizará tanto mais a sua missão quanto mais irmãos tiver disponíveis para os vários serviços que compõem já o rosto da comunidade ou que possam brotar para a sua renovação».
- E continua o nosso Plano Pastoral: «Do coração do Ano Santo brota um apelo global para alinhar os objectivos espirituais do Jubileu da Esperança com acções concretas que promovam a justiça, o bem-estar social e económico das comunidades mais vulneráveis e dos pobres enquanto sujeitos da atenção preferencial de Cristo e da Igreja. A vivência do Ano Santo impele-nos a uma coerência humana e social que faz parte da missão da Igreja desde as suas origens e que importa revigorar em cada época.
- Na linha do aprofundamento deste compromisso social que a missão da Igreja supõe e a que o Ano Santo nos desafia, o Plano Pastoral 2025-26 propõe-nos esforços em três grandes objectivos no que ao compromisso sócio caritativo diz respeito:
- Revalorizar o lugar da Doutrina Social da Igreja na formação dos agentes pastorais em geral e, em particular, de quantos trabalham formal ou informalmente, na acção social das comunidades cristãs.
- Criar, melhorar ou ampliar Grupos de Acção Social Paroquial, desenvolvendo estratégias comuns de actuação, com mobilização dos recursos humanos e materiais que existe, em cada comunidade.
- Implementar, aumentar e aprofundar os mecanismos de cooperação entre as Instituições do sector social presentes na Diocese.
A atitude de peregrinos de Esperança que saborearam as misericórdias do Senhor no Ano Santo e exultaram em jubileu, exige de nós uma corresponsabilidade sinodal para a renovação das nossas comunidades e para a consolidação da missão da Igreja na sociedade».
Que o Ano Santo nos deixe mais comprometidos e activos no prosseguimento do nosso Plano Pastoral. O Ano Santo continua na nossa entrega à Missão, no serviço em Igreja ao Mundo. Peregrinos de esperança sempre! A partir de hoje Semeadores de Esperança!
Sempre a caminho! Que a Mãe da Igreja nos alente!
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
