Categoria: Palavra do Arcebispo

24 Abr 2025

Nota do Arcebispo de Évora sobre a partida do Papa Francisco para a casa do Pai

O povo santo de Deus que peregrina em terras alentejanas e ribatejanas que formam a Arquidiocese de Évora, com o seu presbitério, diáconos, consagrados, Instituto Superior de Teologia de Évora e seminários louvam a Deus pelo imenso dom que foi para a Igreja e para o Mundo o nosso amado Papa Francisco.

Ao darmos graças a Deus pelo dom da sua vida e do seu ministério, salientamos a sua coragem e a sua fortaleza em anunciar profeticamente caminhos novos para a construção de uma nova Humanidade e para a renovação da Igreja, orientada pelo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Defensor da paz, da tolerância e do respeito pelas minorias; sempre presente e junto dos mais pobres, excluídos e sofridos, pela sua proximidade e atenção no pormenor; no seu amplo olhar para a Casa Comum, guiando-nos pelos caminhos da ecologia integral que publicações como a Encíclica Laudato Si’ e a Exortação Apostólica Laudate Deum fazem da Igreja paladina da ecologia integral; a oferta da compaixão e da misericórdia de Deus a toda a Humanidade sem excluídos e privilegiados da graça de Deus; a sua corajosa reforma e atualização da Cúria romana e os seus constantes apelos ao perdão mundial das dívidas dos países pobres e as equitativas amnistias nacionais aos presidiários de quem se manteve sempre próximo e acompanhou atentamente, exercendo este ministério de modo muito particular na história dos Papas. A sobriedade destas constatações desenham já o perfil da grandeza profética do pontificado do Papa Francisco.

Percebemos que a grandeza da sua coerência e pensamento ainda não são por nós plenamente compreendidos a atingidos na sua totalidade. Só o futuro fará ver e perceber a grandeza e dimensão visionária deste Papa, quer para a Igreja quer para a Humanidade.

A estreiteza do tempo presente limita-nos ainda a entender toda a grandeza do seu pontificado. Só o horizonte alargado do futuro nos fará compreender o alcance e o dom que significa para a Igreja e para a Humanidade o Papa Francisco. Por isso, a nossa gratidão, a nossa homenagem, o nosso obrigado e o nosso sufrágio.

Rendemos-lhe homenagem de filhos que perceberam quão grande foi o seu sofrimento para renovar e evangelizar a Igreja, nomeadamente procurando sarar feridas abertas, cicatrizes mal curadas e traumas que permanecem na História. O Papa Francisco nunca esteve só, porque o Espírito Santo conduziu-o, a Mãe da Igreja defendeu-o e muitos cristãos envolveram-no. Momentos houve, porém, em que forças totalitárias tudo fizeram para o deter. A sua tenacidade e o seu amor incondicional na luta pela reforma da Igreja merecem de todos nós um compromisso de continuarmos na fidelidade ao seu genuíno pensamento, sem cedências a qualquer tipo de manipulação e pretensão de pensamento único.

Como não recordar com gratidão as suas duas visitas a Portugal. A 13 de maio de 2017 proclamou ao Mundo a certeza que não está só: “Temos Mãe! Temos Mãe!”. De 1 a 6 de agosto de 2023 fez de Portugal a primavera da Igreja através das Jornadas Mundiais da Juventude. Com que beleza, com que proximidade… sem dúvida que a espantosa manifestação de dois milhões de jovens nas Jornadas Mundiais da Juventude teve como centro a profecia da dádiva da vida do Papa Francisco, que os jovens souberam intuir e exaltar como património da Humanidade.

A Arquidiocese de Évora ajoelha e reza por intercessão da sua celestial Padroeira, Nossa Senhora da Conceição, pelo eterno descanso do Papa Francisco na glória de Deus.

 

Évora, 21 de abril de 2025

+ Francisco
Arcebispo de Évora

19 Abr 2025

Sábado Santo I Solene Vigília Pascal: Homilia do Arcebispo de Évora

HOMILIA DE SÁBADO SANTO

Dia 19/IV/2025

        Revmos. Senhores Cónegos, e demais Padres, Estimados Diáconos e Catequistas, caros Cristãos e Catecúmenos Eleitos.

  1. Nesta Noite Santa, mãe de todas as auroras, onde a escuridão dá lugar ao brilho, a escuridão à libertação, a tristeza à alegria, o pecado à glória, a morte à vida, o silêncio ao aleluia, somos convidados a saborear o valor da Vida, sobretudo, quando esta Vida é Nova, porque espiritual e capaz de dar sentido pleno à vida nas suas várias dimensões.

O Catecismo da Igreja Católica apresenta a verdade da Ressurreição de Jesus a partir de uma perspetiva doutrinária e afirmativa (artigo 5, parágrafo: “no terceiro dia Ele ressuscitou dos mortos, nn. 639 -655, dentro do 2º capítulo, “creio em Jesus Cristo, Filho único de Deus”). O Papa convida-nos, porém, a irmos mais além e aborda, de um ponto de vista existencial e catequético, iluminando a partir da Ressurreição de Cristo, toda a vida dos cristãos e dando sentido às fontes da nossa tradição: o batismo como nova vida em Cristo, os símbolos usados na Vigília Pascal e também respostas às perguntas como por exemplo, “que significa ressuscitar? Ou o que é a vida nova ou viver em Cristo?

  1. Com a Ressurreição do Senhor Jesus no terceiro dia, todas as Escrituras fazem sentido, como Ele mesmo explicou aos discípulos de Emaús ( cf. Lc. 24, 13-34); o acontecimento da Cruz assume todo o seu significado; a teologia do domingo assume o seu significado pleno: “O domingo, o primeiro dia da semana, sabemos que se apoia diretamente na forma cronológica do Novo Testamento que foi recebida no credo da Igreja: ‘ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras’ (1Cor. 15,4). A tradição primitiva tomou nota do terceiro dia e assim preservou a memória do túmulo vazio e das aparições do Ressuscitado. Ao mesmo tempo lembra – e, portanto, acrescenta ‘segundo as Escrituras’- que o terceiro dia era o dia anunciado pelas Escrituras, ou seja, pelo Antigo Testamento, «para este evento básico da história mundial, ou, mais precisamente, não da história mundial, mas da saída dela, da saída da história da morte e mortalidade, e o início e o nascimento de uma nova vida», como comenta (J. Ratzinger, Bento XVI na sua obra – Un canto nuevo para el Senhor, 76-77).

O mistério da ressurreição, mostra assim que Jesus Cristo é a luz que ilumina todos os homens; e, do mesmo modo, todo o cristão é chamado a ser reflexo dessa luz para os outros, pois, como diz um conhecido escritor medieval, “Não existe o corpo sem a cabeça, nem a cabeça sem o corpo; nem Cristo total, cabeça e corpo, sem Deus” (Bem-aventurado Isaac, abade do Mosteiro de Stella, leitura Patrística da Liturgia das Horas, sexta-feira V da Páscoa). Ou, com a força da poesia de um autor contemporâneo; “Filhos de Deus. Portadores da única chama capaz de iluminar os caminhos terrenos das almas, do único fulgor em que nunca se poderão dar escuridões, penumbras ou sombras. O Senhor serve-se de nós como tochas, para que essa luz ilumine … De nós depende que muitos não permaneçam nas trevas, mas andem por caminhos que levam até à vida eterna” (São José maria Escrivá, Forja n. 1).

Que o Aleluia, hoje, proclamado seja a certeza da nossa esperança, Jesus Cristo Ressuscitado, Nossa Esperança! Ele vem connosco e nós vamos com Ele: «E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt. 28, 20): «Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá» (Jo. 11,25).

Eis o sentido para o Salmo 22, cantado no Domingo de Ramos «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?» e da nossa derradeira oferta apresentada pelos evangelistas «Pai, em Vossas mãos entrego o Meu Espírito»

Brota desta reflexão que não é só estática e retórica: chega a mim a Vida Nova, ou seja, celebramos não só aquilo em que acreditamos ou já fizemos o verdadeiro encontro com o Cristo Ressuscitado, o Cristo todo, cabeça da Igreja? Na ressuscitação de Lázaro, Jesus ordenou: «retirai a pedra» (Jo 11, 39), na madrugada de Páscoa, Maria Madalena, Pedro e João, encontram a pedra removida. Na Simbólica Patrística, a Pedra é tudo o que nos separa de Deus e sinal de separação entre nós e a Vida Nova.

Rolemos com a nossa liberdade, a pedra que nos separa de Deus e experimentemos a luz libertadora da Páscoa.

Para todos Santa passagem, do vazio escuro à vida Iluminada pela Páscoa!

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

18 Abr 2025

Sexta-feira Santa: Homilia da celebração da Paixão do Senhor proferida pelo Arcebispo de Évora (com documento)

05HOMILIA DE SEXTA-FEIRA SANTA

Dia 18/IV/2025   

     Introdução:

As palavras de Jesus na cruz, convidam-nos à confiança e ao amor, enquanto Filhos de Deus repletos do Espírito Santo. Os evangelistas mencionam sete palavras de Cristo na cruz. Nelas descobrimos o quanto Deus Pai nos amou até entregar o seu Filho à morte para nos fazer filhos n’Ele.

As primeiras e últimas das sete palavras dirigem-se ao Pai, bem como a quarta palavra, colocada no centro da equação setenária, como grito de abandono e de confiança. Contemplar estas palavras derradeiras juntamente com Maria, Mãe e filha da Igreja é viver o mistério da Cruz com Aquela que é Mãe e Discípula do Seu próprio Filho.

 

  1. A Palavra: «Perdoa-lhes Pai, porque eles não sabem o que fazem!» (Lc 23,34).

Lucas é o evangelista da misericórdia e do perdão. Aqui narra-se a oração de Jesus ao Pai na hora da crucificação.

O perdão é para o futuro, não só para o que passou. O perdão não é um mero sentimento, mas uma decisão e, sobretudo, uma atitude. O perdão constitui um bem mais forte do que um mal.

A sua atitude fundamental deve ser entendida como: “eu quero a paz”; “eu quero perdoar”.

Como reza a Liturgia, na verdade, «O perdão dá a vida aos mortos e restitui a beleza de tudo o que conspurcou. O perdão significa que a cruz é a nossa árvore da vida». Recomeçar sempre é o caminho feliz da vida, porque a própria vida é feita de recomeços constantes.

Este Ano Santo diz-nos insistentemente que precisamos de olhar para o futuro com esperança, num compromisso com uma promoção integral da Pessoa Humana, a qual forma para a justiça e para a paz. É necessário ajudar as crianças, os adolescentes e os jovens a desenvolverem uma personalidade de paz, no respeito pela sacralidade da outra pessoa, a cultivarem a força interior para construir o bem comum, mesmo quando isso custa sacrifício e diálogo e exige a reconciliação e o perdão. O Bem Maior da Paz e da harmonia merecem esse sacrifício.

Não basta constatar, é necessário e urgente agir, construir, semear diariamente o futuro!  Basta de notícias e comentários de actos de violências, sem reflexão séria sobre o que fazer e como promover a educação para o respeito mútuo, a tolerância e o acolhimento das diferenças bem como os gestos geradores de paz.

As novas gerações não podem ficar na varanda, à janela ou nas esplanadas a olhar para a vida que passa na rua ou a viver sentados num sofá ou nas bancadas, lembra-nos o Papa, mas podem e devem ser protagonistas da construção da humanização e da civilização de Paz.

Por experiência histórica, sabemos que a educação e a cultura para a paz exigem o perdão, como sintetizou lapidarmente o bispo anglicano Desmond Tutu: «não há paz sem perdão». Por isso, rezamos na Oração Eucarística de Reconciliação II: «No meio da humanidade dilacerada por divisões e discórdias, reconhecemos os sinais da vossa misericórdia, quando dobrais a dureza dos homens e os preparais para a reconciliação. Com a força do Espírito Santo moveis os corações, para que os inimigos procurem entender-se, os adversários se deem as mãos e os povos se encontrem na paz e concórdia.  Pelo poder da vossa graça, o desejo da paz põe fim à guerra, o amor vence o ódio e a vingança dá lugar ao perdão».

 

  1. A Palavra: «Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc 23,43).

O bom ladrão arrepende-se e ouve uma promessa de salvação. A palavra “paraíso”, de origem persa, evoca um jardim de felicidade, como foi o primeiro jardim na Criação. Jesus mostra que a felicidade é estar com Ele. Ele é “Caminho, Verdade e Vida”. Já te deixastes conquistar por Ele, pelo Seu Amor, capaz de te perdoar sempre, ou seja, 70×7, e amar-te mais quando estás desfigurado pelos teus falhanços?

 

  1. A Palavra de Jesus: «ao ver sua mãe e o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe”» (Jo 19,26-27).

A Virgem Maria consente e une-se ao amor na imolação da vítima que dela nascera. O Seu único filho é Jesus. Ao aceitar a sua morte na cruz, recebe-nos a todos como filhas e filhos seus: Ela é Mãe da Igreja, Mãe de toda a Humanidade.

 

  1. A Palavra: «Pelas três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: “Eli, Eli, lamá sabactâni?” Que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27,46).

São palavras atribuídas ao Salmo 22, 28 e exprimem a confiança do Servo Sofredor na bondade de Deus Pai. O sofrimento de Cristo na Cruz coexistia com a certeza do não abandono de Deus. Além disso, como diz Santo Agostinho, na cruz estávamos também nós, porque somos o seu corpo, que é a Igreja: Cristo falava por cada um de nós. Em nome dos crucificados de todos os tempos. Também deste nosso século XXI.

 

5 . A Palavra: «Tenho sede!» (Jo 19,28).

Esse grito manifesta a humanidade do Senhor no meio de terríveis sofrimentos, pois asfixiava-se na cruz.

Também tem sede do nosso amor. A Sua glória, a irradiação do seu amor é a nossa adesão na Vida Nova que nos oferece, através do sim da nossa Fé. “Mais do que a fadiga do corpo, consome-o a sede dos nossos vazios e escuridões interiores. Da Cruz, olha para cada um, para cada uma, no amor eterno do Pai. Tem sede da nossa sede”. Tem uma grande sede de nos enviar o Espírito Santo, para que O levemos como “Água-Viva” aos Samaritanos e Samaritanas de todos os tempos.

 

  1. A Palavra: «Tudo está consumado» (Jo 19,30).

É o cumprimento da Sua Hora, como anunciou o Evangelista João. Jesus amou obedecendo até ao extremo, até ao fim! (cf. Jo 3,34; 13,1). Com a plenitude do Espírito, a sua oferta ao Pai não tem medida. Cumpriu a vontade do Pai. Além disso, está consumido, extenuado, esgotado. Contemplamos mais um mistério de Amor do que de dor. Na Cruz está sobretudo o amor de Jesus ao Pai e ao mundo. Manifesta até às últimas consequências o que significa ser plenamente Filho de Deus, por isso, Irmão de todos.

 

7 . A Palavra: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46).

Morreu como homem, voluntariamente, da mesma forma que alguém sofre uma pena para a afastar de outra pessoa. Uma morte que o amor vencerá. A Liturgia da Igreja ensina-nos a velá-lo com dor e esperança. Assim comentou o saudoso Papa S. João Paulo II: «Os acontecimentos da Sexta-Feira Santa e, ainda antes, a oração no Getsemani, introduzem uma mudança fundamental em todo o processo de revelação do amor e da misericórdia na missão messiânica de Cristo. Aquele que «passou fazendo o bem e curando todos» (At 10,38), e «curando todas as doenças e enfermidades» (Mt 9,35) mostra-Se agora, Ele próprio, digno da maior misericórdia, e parece apelar para a misericórdia quando é preso, ultrajado, condenado, flagelado, coroado de espinhos, pregado na cruz e expira no meio de tormentos atrozes. É então que Se apresenta particularmente merecedor da misericórdia dos homens, a quem fez o bem; mas não a recebe. Nem aqueles que mais de perto contactaram com Ele têm a coragem de O proteger e O arrancar à mão dos seus opressores. Na fase final do desempenho da função messiânica, cumprem-se em Cristo as palavras dos profetas, sobretudo as de Isaías, proferidas a respeito do Servo de Javé: «Pelas suas chagas fomos curados» (Is 53,5). […]». Nele permaneçamos, como Peregrinos da Esperança.

 

+ Francisco José Senra Coelho

     Arcebispo de Évora

17 Abr 2025

Quinta-feira Santa: Homilia da Missa Vespertina da Ceia do Senhor proferida pelo Arcebispo de Évora (com documento)

HOMILIA MISSA VESPERTINA DA CEIA DO SENHOR, COM LAVA-PÉS

Dia 17-III-2025

       Caros Senhores Cónegos e demais Sacerdotes, estimados Diáconos, queridos Consagrados e Consagradas, esperançosos Seminaristas, zelosas Irmandades e Confrarias, amadas famílias cristãs, caríssimos jovens, meus Irmãos e minhas Irmãs, nesta celebração sentimo-nos em intensa proximidade com todos os que na Sociedade e na Igreja se dedicam a lavar os pés aos mais débeis, frágeis, dependentes e necessitados. Uno-me de alma e coração a todos os servidores, cuidadores e curadores do Ser Humano, aos promotores da humanização e da promoção integral de cada ser humano. Todos os que numa dedicada ecologia integral cuidam e defendem a Casa Comum e nela apelam à integração de todos os seres humanos. Preito de Gratidão, Homenagem e Louvores dos “pés que anunciam a paz” e promovem a justiça.

  1. Na Última Ceia, na iminência da Paixão, a atmosfera era de amor, de intimidade, de recolhimento. “Jesus, sabendo que o Pai tinha colocado tudo em Suas mãos e que de Deus tinha saído e para Deus voltava, levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha, cingiu-a à cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 12,3-5). Para os apóstolos deve ter sido muito impressionante ver Jesus realizar este gesto, o qual estava reservado para o servo da casa ou escravo. Certamente eles devem ter entendido este sinal, somente com o passar do tempo. Ainda hoje, podemos achar surpreendente imaginar Deus nessa posição, limpando com as suas mãos o pó do caminho, fixados nos nossos pés pelo suor das caminhadas…

Deixar Cristo lavar os nossos pés implica reconhecer que não somos nós que nos tornamos puros, limpos ou santos. O Papa Francisco lembra que «isto é difícil de compreender: se não deixamos que o Senhor se torne nosso servo, que o Senhor nos lave, nos faça crescer, nos perdoe, não entraremos no Reino dos Céus. Deus salvou-nos, servindo-nos. Geralmente pensamos que somos nós que servimos a Deus. Mas não; foi Ele que nos serviu gratuitamente, porque nos amou primeiro. É difícil amar, sem ser amado; e é ainda mais difícil servir, se não nos deixamos servir por Deus». Caros Irmãos e Irmãs, este é o paradoxo cristão: é Deus quem vai à frente, que nos ama primeiro; é Ele quem toma a iniciativa. Por isso é tão importante, antes de empreender qualquer tarefa, aprender a receber o que Deus nos quer dar, aprender a deixarmo-nos amar e limpar repetidamente por Ele.

  1. Nunca nos deixaremos de maravilhar com o gesto do “Lava-Pés”, mas o Seu amor e humildade atingem a plenitude, quando, durante a ceia, “tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha». (1 Cor 11,23-25) De facto, o gesto do “Lava-pés” é a chave interpretativa da Eucaristia: a suprema entrega do Senhor aos irmãos de quem se faz servo.

O Senhor instituiu este sacramento como “memorial perene da sua Paixão, o cumprimento perfeito das figuras da Antiga Aliança e o grande sinal da sua perene permanência connosco. Na Eucaristia Ele doa-se a Si mesmo: tornando-se alimento, pão e vinho para nós, é ao mesmo tempo uma manifestação de superabundância de amor e a expressão plena de humildade. O sacramento eucarístico permite-nos a plena identificação com Deus, fundirmo-nos e compenetrarmo-nos com Deus.

Por muito que aprofundemos tudo o que Deus Pai nos dá, nunca chegaremos a compreender a profundidade do seu Dom. É remédio de imortalidade, antídoto contra a morte eterna, vida nova em Jesus Cristo para sempre.

Nesta contemplação orante, podemos concluir com o Papa que «o cristianismo é antes de tudo dom: Deus doa-se-nos, não dá algo, mas doa-se a si mesmo (…). Por isso, o principal Sinal ou Sacramento do ser cristão é a Eucaristia: a gratidão por termos sido gratificados, a alegria pela vida nova que d’Ele recebemos».

  1. Nas palavras do sacerdote, proferidas antes da consagração – “deu graças, partiu-o e deu-o aos seus discípulos…” – percebemos a disposição agradecida do coração de Jesus diante de Deus Pai.

Cada um de nós quer ter a mesma atitude de Cristo nesta tarde santa. Vamos tentar amar cada pessoa com o Amor com que Ele ama e como Ele as ama: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei», (Jo 13,34). Por Cristo, com Ele e n’Ele, somos capazes de amar até o fim. Como Jesus, ajoelhamo-nos diante do ser humano para lavar os seus pés, assumindo nas nossas vidas a missão de servir e não ser servido.  Com Jesus, Samaritano e com o Cireneu lavamos os pés, servindo em solidária caridade as grandes causas da humanidade.

  1. Permiti que vos sugira alguns compromissos nesta Quinta-feira Santa. A santíssima Eucaristia contém todo o bem espiritual da Igreja, a saber, o próprio Cristo, nossa Páscoa e pão vivo que dá a vida aos homens mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo. Daí tiramos força e vida para levá-la até o último canto da terra, até ao coração de cada pessoa ao nosso redor. A Eucaristia é a fonte, alimento e sustento da fraterna caridade que havemos por coerência promover e viver. Eis o nosso compromisso feito coerência e dinamismo de vida.

Podemos aproveitar o dia de hoje, em que Deus deu à sua Igreja este sacramento para rezar também pela santidade dos sacerdotes, para servirem a Igreja todos os dias com o mesmo amor do Senhor. Com a nossa oração, podemos ajudá-los a tornar realidade a vocação que impulsiona a sua atividade sacerdotal. Eis o compromisso para quem neste Ano Santo 2025: Peregrinos da Esperança que com os sacerdotes Ministeriais rasguem estradas novas neste mundo velho e acendam estrelas apagadas em tantos homens, mulheres e jovens alheados, indiferentes, incrédulos, sem Esperança, companheiros de Emaús, com Cristo no meio, em cada Sacerdote que Cristo nos ofertou.

Entre tantos dons que hoje recordamos, sabemos que Jesus também nos deu a sua Mãe. A Ela, a principal testemunha do sacrifício de Cristo, podemos dirigir-nos para, com a sua ajuda, ter uma vida de louvor por tantos dons recebidos. Perante as cruzes da nossa vida o Magnificat de Maria pode-nos inspirar a sermos Peregrinos de Esperança e como Ela a permanecermos de pé na caridade e na compaixão, unindo a sua oração: «Eis a humilde serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra» (Lc 1, 38), com a oração de Cristo: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu Espírito» (Lc 23, 46).

 

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

17 Abr 2025

Quinta-feira Santa: Homilia da Missa Crismal proferida pelo Arcebispo de Évora (com documento)

HOMILIA MISSA CRISMAL

Dia 17-III-2025

«O Espírito do Senhor está sobre mim,

porque me ungiu»

 

  1. «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu», repete Jesus na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,18), assumindo sobre si a unção e a missão de Isaías. Jesus levantou-se para fazer a leitura e de seguida sentou-se para fazer o comentário à leitura. E «todos tinham os olhos fixos nele!», num misto de espanto, de encanto e de esperança (Lucas 4,20), informa o narrador. Foi breve e intensa a homilia de Jesus, somente disse: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir»  (Lucas 4,21).

Neste «Hoje» pronunciado por Jesus o tempo deixa de ser o fio tecido e a tecer de chrónos, o fio dos dias e dos anos, para se concentrar neste único Hoje, termo técnico, clássico, nas homilias dos Padres Gregos, em que cai sobre nós a Palavra  de Deus, propondo-nos tudo, hoje e aqui, afinal o Tempo da Graça, do encontro com a iniciativa do Amor Primeiro de Deus. A este Tempo de Deus chamamos Kairos. Tempo da graça!

    «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu»,( Lc 4, 18). É assim que nós Hoje, convocados pelo Espírito, reunidos em Presbitério, recebemos de Jesus Cristo as mesmas palavras que Ele próprio recebeu do Profeta Isaías e a que deu sentido pleno. «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu» constitui, de facto, a maneira mais bela e profunda do presbitério arquidiocesano poder afirmar em uníssono a sua identidade diaconal, porque servir é a nossa vocação. É mesmo a única maneira de nós podermos dizer quem verdadeiramente somos, e assim centrados em Nosso Senhor Jesus Cristo, renovarmo-nos na nossa Identidade.

Diz-nos o Livro do Apocalipse: «Graça e paz […] da parte de Jesus Cristo, Aquele que nos ama, que nos libertou dos nossos pecados com o seu sangue, e fez de nós um Reino de Sacerdotes» (Apocalipse 1,4-6), respondendo e cumprindo a lição do Livro do Êxodo 19,6, em que Deus prometia: «Farei de vós um Reino de Sacerdotes». Guardemos connosco, Hoje, amados irmãos, esta unção, sejamos este reino de sacerdotes, pois  somos um presbitério de Ungidos.

Ungido diz-se em hebraico Mashîah, e em grego Christós, termos que, em português, soam Messias e Cristo. O Ungido por excelência é, então, Cristo, Jesus Cristo, Jesus Ungido. Se o Ungido é Cristo, então nós somos outros Cristos, porque somos igualmente Ungidos. E se somos outros Cristos, então a referência da nossa maneira de viver terá de ser Cristo. Temos, então, de nos revestir de Cristo (Romanos 13,14; Gálatas 3,27; Colossenses 3,12-14), de fazer nosso o estilo de vida de Cristo, manso e humilde, orante, feliz, evangelizador, apaixonado, pobre, despojado, ousado, próximo e dedicado. N’Ele temos de nos centrar e sempre recentrar. Só assim, configurados com Cristo, cristificados, podemos viver e agir in persona Christi Capitis ou in persona Christi Servitoris, na pessoa de Cristo Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja, ou na pessoa de Cristo Servo do seu Corpo, que é a Igreja. É assim que renovamos  hoje, nesta Quinta-Feira Santa, a nossa identidade Sacerdotal e Diaconal.

  1. Sigamos o pensamento do Papa Francisco, pronunciado na Missa Crismal, na Basílica de São Pedro a 6 de abril de 2023, que cito: «Depois da primeira «unção» que aconteceu no ventre de Maria, o Espírito desceu sobre Jesus no Jordão. Em seguida, como explica São Basílio, «cada ação [de Cristo] gozava da presença do Espírito Santo». [3] Pois, com o poder daquela unção, Ele pregava e realizava sinais, em virtude daquela unção «emanava d’Ele uma força que a todos curava» ( Lc 6, 19). Jesus e o Espírito atuam sempre juntos, como se fossem as duas mãos do Pai – assim o diz Santo Ireneu  – que, estendidas para nós, nos abraçam e levantam. E, por elas, foram marcadas as nossas mãos, ungidas pelo Espírito de Cristo. Sim, irmãos, o Senhor não Se limitou a escolher-nos e chamar-nos,  mas infundiu em nós a unção do seu Espírito, o mesmo que desceu sobre os Apóstolos.

       Fixemos então o nosso olhar nos Apóstolos. Jesus escolheu-os e, à sua chamada, deixaram os barcos, as redes, a casa, afinal tudo o que possuíam. A unção da Palavra mudou-lhes a vida. Com entusiasmo, seguiram o Mestre e começaram a pregar, convencidos que, depois, realizariam coisas ainda maiores; até que chegou a Páscoa. Parece que então tudo ficou suspenso: chegaram a negar e abandonar o Mestre, a começar por Pedro e os Apóstolos.

Puderam dar-se conta do grande desajustamento entre o projeto deles e o de Jesus, e perceberam que não O tinham compreendido: a frase «não conheço esse homem» (Mc 14, 71), que Pedro alegou no pátio do sumo sacerdote depois da Última Ceia, para vários Padres da Igreja,  não é mera defesa impulsiva, mas uma admissão de ignorância espiritual: ele e os outros talvez estivessem à espera duma vida de sucessos atrás dum Messias que arrastava multidões e fazia prodígios,  não reconheciam o escândalo da cruz, que esfarelou as suas certezas. Jesus sabia que eles, sozinhos, não conseguiriam e, por isso, prometeu-lhes o Paráclito. E foi precisamente aquela «segunda unção», no Pentecostes, que transformou os discípulos, levando-os a apascentar o rebanho de Deus, e já não a si mesmos.

       Irmãos, um itinerário semelhante abraça a nossa vida sacerdotal e apostólica. Também para nós houve uma primeira unção, com início numa chamada cheia de amor que nos arrebatou o coração. Por ela, soltamos as amarras e, sobre um genuíno entusiasmo, desceu a força do Espírito que nos consagrou. Depois, segundo os tempos de Deus, havia de chegar para cada um a etapa pascal, que marca a hora da verdade. Trata-se dum momento de crise, que possui várias formas. A todos nos  sucede, mais cedo ou mais tarde, experimentar desilusões, cansaços e fraquezas, com o ideal que parece diluir-se perante as exigências da realidade, substituído por uma certa rotina; e algumas provações – difíceis de imaginar antes – fazem aparecer a fidelidade mais incómoda do que outrora. Esta etapa – a da tentação, da prova que todos nós tivemos, temos e teremos – esta etapa representa, para quem recebeu a unção, um cume decisivo. Dele, pode-se sair mal, deixando-se planar rumo a uma certa mediocridade, arrastando-se cansado numa «normalidade» cinzenta onde se insinuam três perigosas tentações: a da acomodação, em que a pessoa se contenta com o que pode fazer; a da substituição, em que se tenta «recarregar» o espírito com algo diferente da nossa unção; a do desânimo – a mais comum –, em que, insatisfeitos, se avança por inércia. E aqui está o grande risco: permanecem intactas as aparências – sou sacerdote, sou padre –, enquanto a pessoa se fecha em si mesma e conduz a vida na apatia; a fragrância da unção deixou de perfumar a vida, e o coração, em vez de se dilatar, restringe-se envolvido pelo desencanto.

       Mas toda a  crise pode tornar-se também e, dom de conversão,  um ponto de viragem no sacerdócio, a «etapa decisiva da vida espiritual, em que se deve efetuar a última escolha entre Jesus e o mundo, entre a heroicidade da caridade e a mediocridade, entre a cruz e um certo bem-estar, entre a santidade e uma honesta fidelidade ao compromisso religioso, sobretudo para os Presbíteros que vivem o seu ministério num carisma fundacional a vida Religiosa.

       Como lembra o Papa, com a ajuda do Espírito Santo: é o tempo para nós, como o foi para os Apóstolos, duma “segunda unção”, tempo duma segunda chamada que devemos escutar para receber a segunda unção, em que se acolhe o Espírito não sobre o entusiasmo dos nossos sonhos, mas na fragilidade da nossa realidade. É uma unção que mostra a verdade no mais fundo de nós mesmos e que permite ao Espírito ungir as nossas fragilidades, os nossos cansaços, a nossa pobreza interior».

  1. O espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova» (Is 61, 1; cf. Lc 4, 18-19) e levar – lê-se no prosseguimento da profecia – libertação, cura e graça; numa palavra, para levar harmonia onde não há. Pois, como diz São Basílio Magno, «o Espírito de esperança e harmonia». Tudo o que o Espírito Santo deseja é criar harmonia, principalmente através daqueles sobre quem derramou a sua unção.

Irmãos, construir a harmonia entre nós não é tanto um método bom, para que a comunidade eclesial caminhe melhor, nem é questão de estratégia ou de cortesia, mas é sobretudo uma exigência interna na vida do Espírito, é algo que brota da Esperança de que não vamos sós, mas acompanhados pelo Espírito Santo, Deus Amor, sempre gerados da plena harmonia trinitária.

A harmonia não é apenas uma virtude entre outras. São Gregório Magno escreve: «Quanto valha a virtude da concórdia demonstra-o o facto de que, sem ela, todas as outras virtudes não valem absolutamente nada».  Ajudemo-nos, irmãos, a conservar a harmonia, conservar a harmonia no Presbitério e na Igreja – este seria o meu contínuo dever de casa, para cada um de nós. O mundo vive terríveis feridas de desencontros violentos, cruéis e mortais. De novo, somos convidados a mostrar a beleza que salva, a harmonia que brota da presença do Espírito de Deus em nós.

Mas também vós, Fiéis Leigos, batizados e crismados, sois outros Cristos, porque fostes também Ungidos com o óleo do Crisma, que recebe o seu nome de Cristo como referimos. Cristo significa Ungido e Crisma significa Unção. Também vós, amados Fiéis Leigos, fostes Ungidos na fronte, no Batismo e na Confirmação, com o óleo do Crisma. Além de Ungidos na fronte, no Batismo e na Confirmação, os Sacerdotes foram ainda Ungidos nas mãos com o mesmo óleo do Crisma, e o Bispo foi-o ainda na cabeça. Também as igrejas e os altares são ungidos com o óleo do Crisma no dia da sua Dedicação.

  1. É este óleo do Crisma, com que todos somos ungidos no coração, identificando-nos assim com Cristo, que vai ser, nesta Missa Crismal, confecionado e consagrado pelo Bispo, com o testemunho e cooperação dos Sacerdotes. Vão igualmente ser benzidos o óleo dos enfermos, destinado a servir de remédio e de alívio aos doentes, e o óleo dos catecúmenos, destinado a preparar e dispor os catecúmenos para o Batismo.

O óleo do Crisma que vamos consagrar, e os óleos dos enfermos e dos catecúmenos que vamos benzer, constituem, no meio de nós, um autêntico manancial ou programa de vida. Igual ao de Cristo. Outros Cristos, Ungidos no coração, para levar o anúncio do Evangelho a todos os nossos irmãos. Se somos outros Cristos, Ele está connosco, em nós, no meio de nós. A messe e a plantação são d’Ele. A Ele a honra, a glória e o louvor para sempre. Ámen.

  1. Em Ano Santo, com a chave de Peregrinos de Esperança, dirigindo-me a cada Sacerdote Ministerial, concluo com as Palavras do Santo Padre «Obrigado! Obrigado pelo vosso testemunho, obrigado pelo vosso serviço; obrigado por tanto bem escondido que fazeis, obrigado pelo perdão e a consolação que ofereceis em nome de Deus: perdoai sempre, por favor, nunca negueis o perdão; obrigado pelo vosso ministério, que muitas vezes se desenrola no meio de tantas fadigas, incompreensões e pouco reconhecimento. Irmãos, o Espírito de Deus, que não desilude quem coloca n’Ele a própria confiança, vos encha de paz e leve a bom termo aquilo que em vós começou, para serdes profetas da sua unção e apóstolos de harmonia».

Que pela abertura do coração ao Espírito Santo, a harmonia se reforce e renove sempre no Presbitério Eborense. Que a nossa Celestial Padroeira Nossa Senhora da Conceição interceda por nós!

 

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

13 Mar 2025

Mensagem do Arcebispo de Évora para a Quaresma 2025

MENSAGEM PARA A QUARESMA 2025

«Caminhar juntos, ser sinal, é esta a vocação da Igreja» (Papa Francisco 2025)

1. Porque somos todos chamados a viver a Quaresma, dirijo-me ao Povo Santo de Deus que peregrina como Igreja Diocesana, em terras do Alentejo e Ribatejo na comunhão da oração, da caridade e da Missão. Como “Peregrinos da Esperança”, somos convocados a experimentar como «A esperança não engana porque o Amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 1-2).

É como peregrinos que desejamos viver este  Tempo da Quaresma, pois «Pôr-se a caminho é típico de quem anda à procura do sentido da vida» (Spes non confundit, 5), e esta é a nossa história, recomeçada sempre de novo, com fortaleza,  sabedoria e todos os Dons do Espírito Santo.

Como lembra o Papa, «Jesus morto e ressuscitado é o coração da nossa fé» (Spes non confundit, 20), assim, anuncia o Apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto, «transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos doze» (1Cor 15, 3-5). Destas palavras o Apóstolo das Gentes enuncia “o fundamental da nossa fé”, em apenas quatro verbos referentes a Cristo: “morreu”, “foi sepultado”, “ressuscitou” e “apareceu”. Eis-nos, no fundamento da Esperança com a qual peregrinamos em nossas vidas!

Por isso, a Esperança não é um mero optimismo humano, fruto de um estado de alma, simpatia ideológica em que confiamos, ou de uma euforia motivada pelo êxito de algum projeto ou programa. A Esperança Cristã é consequência da nossa Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo morto e ressuscitado. Aquele que é o Senhor da vida e da morte e nos acompanha na peregrinação da vida, como Bom Pastor e que connosco se comprometeu para sempre: «Estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20).

Deste modo, «A esperança, forma juntamente com a fé e a caridade, o tríptico das “virtudes teologais”, que exprimem a essência da vida cristã (cf 1Cor 13, 13; 1Ts 1, 3). «No dinamismo indivisível das três, a esperança é a virtude que imprime, por assim dizer, a orientação, indicando direção e a finalidade da experiência crente» (Spes non confundit, 18). Ora, sendo a celebração da Páscoa, a renovação de um sentido de vida novo, não se resume a uma Esperança distante, mas pode e deve tornar-se realidade transformadora aqui e agora, ao assumirmos o compromisso com os valores e critérios do Evangelho de Jesus que faz «novas todas as coisas» (Ap 21, 5).

2. A Quaresma é o período que vai da Quarta-Feira de Cinzas (5 de março) até ao Tríduo Pascal, iniciado em Quinta-Feira Santa, dia 17 de abril. São quarenta dias que nos convidam a refletir na Palavra de Deus, a crescer na conversão e na valorização da presença de Deus em nós. Três práticas tradicionais para este Tempo são a oração, a caridade e o jejum.

Importa encontrar tempo para aprofundarmos a oração, sobretudo através da valorização do silêncio e da escuta da Palavra de Deus, da oração meditada dos Salmos a da vivência mais assídua e atenta dos Sacramentos, sobretudo da Eucaristia e da Confissão ou Reconciliação.

Fruto da atenção aos Sinais dos Tempos, a nossa oração chegará à intercessão pelos necessitados do nosso mundo e de cada ser humano. Somos também convidados a valorizar várias práticas de piedade popular, como a Via Sacra, as procissões de Passos e do Enterro do Senhor, entre outras.

A prática do jejum é prescrita pela Igreja na Quarta-Feira de Cinzas e  Sexta-Feira Santa e da abstinência de carne em todas as Sextas-feiras da Quaresma. A Abstinência deste alimento, recorda-nos os valores do desprendimento e sobriedade próprios dos Peregrinos da Esperança, sempre disponíveis a partilhar e a sacrificar-se pelos peregrinos mais necessitados.

No Plano Pastoral da nossa Arquidiocese o Departamento da Pastoral Sócio-Caritativa diz-nos  que a pobreza, nas suas mais diversas expressões constitui um urgente desafio à acção da Igreja no seu todo, a cada comunidade em particular e a cada indivíduo que se afirma cristão», e conclui «Ao preparar o ano jubilar de 2025, mais se acentua, por dever de fidelidade ao significado bíblico do jubileu, o dever de caridade e de construção da justiça devidas a cada pessoa e aos mais pobres em particular» (Plano Pastoral 2025, pág. 20). É através deste compromisso que todos somos convidados a  viver a terceira prática Quaresmal, a partilha,  tradicionalmente designada por “esmola”, partilhando o nosso tempo, os nossos talentos e carismas e também os nossos bens materiais, pois a «Esperança não pode ser uma palavra vaga e sem conteúdo» (Peregrinos da Esperança, Plano Pastoral 2025, pág. 4).

3. Pela Renúncia Quaresmal, os fiéis são convidados a abdicar de bens ou serviços, reservando esse dinheiro para finalidades caritativas especificadas de modo sinodal pelo Bispo Diocesano. Consultadas as diversas instâncias diocesanas e vários Párocos, Diáconos, Religiosos e cristãos, inseridos em diferentes ambientes sociais, percebi que uma carência manifestada nos últimos tempos, se refere a jovens estudantes sem meios para continuarem os seus cursos, ou sequer para poder sobreviver.

Esta realidade socioeconómica muito actual gera enormes dificuldades motivadoras de desânimo e desistência no meio estudantil e juvenil. Assim, e na fidelidade ao compromisso com a Esperança, assumida com os jovens na Jornada Mundial da Juventude, e agora intensamente desafiada pelo Ano Santo Jubilar; face às necessidades de rejuvenescimento da nossa região, solicito à  Cáritas Arquidiocesana que crie, regulamente e administre  um programa de apoio a jovens estudantes gravemente carenciados de todas as paróquias da Arquidiocese, a estudar em estabelecimentos de ensino localizados no território Arquidiocesano ou fora dele. Peço à Cáritas Arquidiocesana que  volte a coordenar a campanha “Renúncia Quaresmal” neste ano, a  favor da causa que ela mesmo vai gerir.

Agradeço à Cáritas Arquidiocesana o apoio dado desde o início da “Renúncia Quaresmal”, nomeadamente no passado Ano Pastoral 2023-2024, a favor das Comunidades Cristãs do Médio Oriente, a quem através dos serviços da caridade da Santa Sé, enviámos € 20.000,00 (vinte mil euros), oferecidos pelos cristãos desta Arquidiocese.

Unidos na oração também pela saúde do Santo Padre, a todos desejo uma fecunda Quaresma e Santa Páscoa.

Évora em 01 de Março de 2025

 + Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

29 Dez 2024

“Que o Ano Santo seja vivido em família!” – Homilia do Arcebispo de Évora na Abertura do Ano Jubilar 2025, proferida na Sé de Évora a 29 de dezembro de 2024

ANO JUBILAR 2025

HOMILIA

Que o Ano Santo seja vivido em família!

1. Concretizando o estabelecido na Bula de Proclamação do Jubileu do Ano de 2025, intitulada  “A Esperança não engana” (Rm 5,5),  o Papa Francisco abriu a Porta Santa da Basílica de São Pedro no passado dia 24 de dezembro. Hoje, Festa da Sagrada Família, unidos a todas as Dioceses do Mundo, damos início ao ano Santo na nossa Arquidiocese.

Se o Primeiro Ano Santo foi proclamado por insistentes pedidos da Piedade Popular, através do Papa Bonifácio VIII em 1300, a prática da abertura da Porta Santa, iniciou-se há cerca de 600 anos, em 1423, por iniciativa do Papa Martinho V. Eis-nos na peugada da História da Igreja: também hoje necessitamos de ouvir e experimentar a certeza de que a Esperança não engana.

Conforme a Bula de Proclamação deste Jubileu, «A Esperança é também a mensagem central» deste Ano Santo, «que segundo uma antiga tradição, o Papa proclama de vinte e cinco em vinte e cinco anos».

O Papa Francisco pensa em todos os Peregrinos de Esperança, que chegarão a Roma para viver o Ano Santo, e em quantos, não podendo ir à cidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, vão celebrá-lo nas Igrejas Particulares. O Papa reza para que «possa ser para todos, um momento de encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus», «porta» de salvação, como proclama o Evangelista (Jo 10, 7.9). É a Ele, Jesus Cristo, e com Ele,  que a Igreja tem por missão anunciar sempre, em toda a parte e a todos, como único Senhor e  «nossa Esperança» (1 Tim 1,1).

2. Numa entrevista a uma emissora da Arquidiocese de Buenos Aires (TV canal Orbe 21), o Papa Francisco expressou que o «Jubileu é um Tempo de Renovação Total, de perdão. Às vezes tenho medo de que o Jubileu se assemelhe a um turismo religioso. O Jubileu, para vivê-lo bem e, de alguma forma consertar um pouco as histórias pessoais neste aspeto, é um momento de perdão, um momento de alegria, um momento de recomposição de tantas coisas, pessoais e sociais».

       É genuinamente compreensível a preocupação do coração do Papa em que o Jubileu não se reduza apenas à incentivação do Turismo Religioso, que motivado “pela Fé e pela devoção, envolve a participação em eventos religiosos ou a visita a locais sagrados, onde o participante busca uma “conexão” com o religioso e com o sagrado, como agregação cultural, de lazer, entretenimento, curiosidade, atividades externas. Sendo legítimo e saudável este tipo de Turismo Religioso, o Ano Santo, pede-nos, porém,  a valorização exclusiva da Peregrinação Religiosa, que visa atingir o objetivo do Jubileu de Esperança que é a interioridade da indulgência jubilar.

Segundo o texto da Penitenciaria Apostólica que estabelece as prescrições para que os fiéis possam usufruir das “disposições necessárias para obter e tornar efetiva a prática da Indulgência Plenária”, pede-se «a dedicação de um tempo adequado à adoração eucarística e à meditação, à oração meditada do Pai Nosso, à recitação  consciente da Profissão de Fé ou Credo e à invocação  da intercessão da Virgem Maria». Além destas práticas piedosas, o primeiro ponto do referido texto, cita como convenientes, a participação na Santa Missa, ou na Celebração da Palavra de Deus, na Liturgia das Horas, na Via Sacra, no Rosário Mariano, no Hino Akathistos (cantado de pé),  ou ainda numa celebração Penitencial.

O Ano Santo é um Tempo de Indulgência, que significa a remoção da pena temporal pelos pecados perdoados na confissão, bem como Kairós, ou seja, Tempo da Graça de Deus, envolvente em Clemência, Misericórdia, Compaixão, Compreensão, Bondade, Benevolência, Benignidade, Doçura e Piedade.  O Ano Santo é para nós escola, lareira, candelabro de reconciliação pessoal, interpessoal, social, nacional e internacional.

O optimismo humano, enquanto atitude de alma e disposição psicológica, é algo que se pode cair no equívoco ou engano e gorar-se sem concretização, levando muitas vezes à frustração, à desistência e desencanto. A Esperança, enquanto Virtude Teologal, assenta na Fé, na Palavra de Deus Fiel, que garante “Ainda que meu pai e minha mãe me abandonassem, o Senhor cuidará de mim” (Sal 27, 10), “Estarei convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28,20). Por isso, Paulo nos garante que a Esperança não engana.

3. «Além de beber a Esperança na Graça de Deus, somos também chamados a descobri-la nos Sinais dos Tempos, como nos recorda o Concílio Vaticano II (GS 4; AG 10). Com o Papa Francisco rezamos e comprometemo-nos:

«Que o primeiro sinal de esperança, se traduza em Paz para o mundo, mais uma vez imerso na tragédia da guerra».

– Olhar para o futuro com esperança equivale a ter também uma visão da vida carregada de entusiasmo, para a transmitir».

Devido a esta falta de entusiasmo, assiste-se em vários países a uma queda de Natalidade e ao dramático envelhecimento populacional.

– Que a Esperança para os presidiários pede condições de educação, recuperação e reinserção. Que os Estabelecimentos prisionais, não sejam espaços de trocas de experiências e processos de sucesso no crime, tempo perdido, frustrante e revoltante, mas hipóteses de recuperação de dignidade e humanização. O Papa Francisco propõe mesmo a possibilidade de Amnistia em casos credíveis de recuperação cívica e social.

– Que Sinais de Esperança cheguem aos doentes e profissionais de saúde, na promoção das qualidades exigidas aos espaços e serviços hospitalares. Igual esperança deve ser dada aos cidadãos com deficiências e debilidades. Também os idosos, devem contar com sinais de Esperança e valorização até ao fim natural das suas vidas.

– Que a Esperança seja devolvida às gerações de adolescentes e jovens, de namorados e principiantes profissionais. Que nunca sintam a desvalorização, nem a necessidade de deixar a sua terra  para se poderem realizar,  mas experimentem o apreço de toda a sociedade e da Igreja.

– Sentimos necessidade de levar a Esperança  aos mais Pobres do Planeta, unindo-nos  ao Papa, quando refere: «Renovo o apelo para que com o dinheiro usado em armas e outras despesas militares, constituamos um fundo global para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não recorram a situações violentas ou enganadoras, nem precisem de abandonar os seus países à procura de uma vida mais digna…

Outro convite premente que desejo fazer, tendo em vista o Ano Jubilar, destina-se às nações mais ricas, para que reconheçam a gravidade de muitas decisões tomadas e estabeleçam o perdão das dívidas dos países que nunca poderão pagá-las» (N 16)

– O Sucessor de Pedro, lembra-nos ainda que “A Esperança encontra na Mãe de Deus a sua testemunha mais elevada. Neste Ano Jubilar, que os Santuários sejam lugares sagrados de acolhimento e espaços privilegiados de esperança” ( N 24).

4. Assim, concretizamos na nossa Arquidiocese, como lugares de Esperança os principais Santuários Marianos, com alguma envolvência Regional ou Nacional:

  • Nossa Senhora da Conceição, em Vila Viçosa
  • Nossa Senhora de Aires, em Viana do Alentejo
  • Nossa Senhora da Boa Nova, em Terena – Alandroal
  • Nossa Senhora do Castelo, em Coruche
  • Nossa Senhora da Visitação, em Montemor-o-Novo
  • Nossa Senhora das Brotas, em Brotas – Mora
  • Nossa Senhora das Candeias em Mourão

A estes Santuários Marianos juntamos os Santuários Cristológicos:

  • Senhor Jesus dos Mártires, em Alcácer do Sal
  • Senhor Jesus da Piedade, em Elvas
  • Senhor Jesus dos Aflitos em, Borba.5. Iniciamos o Ano Santo nesta Arquidiocese, no Dia da Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Momentos muito difíceis para a Sagrada Família que foi a perca de Jesus no Templo.

Que à maneira desta Santa Família, peregrinemos neste Jubileu até ao Templo de Deus!

Que com Jesus,  nos encontremos com o Pai e refaçamos a nossa identidade de filhos sempre no Seu coração: “Porque me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na Casa de Meu Pai?”.

Que perante o espanto e a incompreensão de tantas coisas da vida, guardemos tudo como Maria, na Paz do coração, pois sabemos que só Deus é Luz definitiva.

Que como os Doutores da Lei, continuemos a interrogar-nos sobre o Mistério da Vida: “mas de onde lhe vem toda esta sabedoria?”. Só quem questiona pode crescer. Nunca nos fixemos na rotina, na tibieza e no comodismo da Fé!

“Regressado a casa era-lhes submisso e crescia em graça, estatura e santidade”.  Crescer na maturidade e na segurança da Fé, é o desafio que nos assegura a Esperança que não engana.

Que este Jubileu seja vivido com Jesus, Maria e José, e com Eles seja  um passo de crescimento na nossa relação com Deus, com os nossos semelhantes, pessoalmente e em família, porque o Ano Santo desafia-nos a ser vivido em Família.       

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

24 Dez 2024

Mensagem de Natal 2024 do Arcebispo de Évora (com vídeo)


 

MENSAGEM DO ARCEBISPO DE ÉVORA PARA O NATAL 2024


“A Esperança não engana”

 

Dirijo-me a todos os Cristãos e Cristãs da Arquidiocese de Évora, bem como a todas as Pessoas de Boa Vontade para as saudar, cumprimentar e desejar Boas Festas neste Tempo Natalício, tão marcante na nossa História, na nossa cultura, nas tradições e no imaginário da criatividade e das adaptações aos novos tempos. A todos desejo um fecundo Ano Santo 2025. Que a bênção da Paz inunde este novo ano, também celebrativo do Jubileu do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

1 – Ao interrogar os tempos e ao escutar muitos corações, registo algumas interrogações que parecem assumir transversalmente as preocupações de muitos. Refiro-me, por exemplo, à fragilidade da Paz e ao alastramento ameaçador da guerra, com dimensão global e com frequentes alusões ao recurso nuclear ou atómico; às grandes mutações populacionais, com os seus consequentes movimentos migratórios; à ecologia global e às, ainda por alguns discutidas, alterações climáticas; aos novos equilíbrios geo-estratégicos e hegemónicos, que já se desenham e perspectivam; aos diversos e antagónicos radicalismos, que eivados de excessos já dolorosamente comprovados pela História, desafiam ou põem mesmo em causa as culturas politicamente  dominantes, chamadas “Democracias”.

 

2 – Entre nós, no espaço territorial da Arquidiocese de 13 547 Km2, espalhada por quatro distritos, vinte e quatro concelhos, nove cidades, dezenas de vilas e cento e cinquenta e oito paróquias e com mais de 255 mil habitantes, acrescentam-se as apreensões com o constante envelhecimento populacional e com o crescente despovoamento, também fruto da migração das novas gerações originárias desta região alentejana e ribatejana e dos injustos desequilíbrios provindos de uma ineficaz política do ordenamento do território, desmotivadora do investimento e empreendedorismo, em alguns casos, capaz de provocar mesmo o desalento e a desistência.

Ficam-nos ainda interrogações sobre temas, tais como a integração dos imigrantes, que constantemente chegam até nós e de quem necessitamos; e como evoluirá o actual sucesso do “Turismo”, tão importante para a actual sustentabilidade da Região.

 

3 – Sobre todas estas questões e muitas outras, tais como assuntos de carácter antropológico, existencial, social, político, cultural, económico e financeiro, se reflectiu em várias instâncias consultivas e executivas de uma Arquidiocese que conta com um Instituto Superior Universitário, dirige ou colabora com várias Fundações, opera na governança de dezenas de IPSS, colabora com mais de três dezenas de Santas Casas da Misericórdia e diversas Associações com várias finalidades, Colégios, Serviços e Movimentos Assistenciais como a Caritas e a Sociedade de S. Vicente de Paulo.

Da normalidade dos nossos encontros quotidianos com as famílias, os jovens, e lembro a forte experiência que nos permitiu a JMJ, os universitários,  com as crianças, os avós; com docentes, autarcas, empresários, agricultores, profissionais de diversos tipos, incluindo jornalistas, agentes da comunicação social e fazedores de opinião pública, não esquecendo sequer as forças militares e de segurança; de todos os quadrantes e sectores percebeu-se a necessidade de um valor acrescido, a Esperança!

 

4 – É Tempo de Natal! O Natal de Cristo garante-nos que “A esperança não engana porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom. 5, 1-2). Que a semente do Natal faça frutificar a Esperança do Amor de Deus que não ilude, nem nos abandona; no coração e na mente de todos nós, sobretudo nos que, porventura, mais sofrem: os sós, os presidiários, os desprotegidos, os discriminados, os frágeis, os doentes, os dependentes e acima de tudo os desistentes e derrubados da vida.

 

 

5 – Obrigado a todos os que guiados pelo sussurro da Esperança, consolidam ou acendem a esperança apagada nos seus irmãos!

Muito obrigado, aos que iluminados pela Luz da Luz, refletem no testemunho coerente, fraterno e solidário essa Luz, através do seu voluntário e dedicado esforço pela verdade, transparência e justiça.

 

6 – Todos merecemos e precisamos que haja Natal de verdade, porém demos prioridade às crianças e adolescentes. Não lhes leguemos a caricatura pobre e deformada de um Natal meramente consumista e mercantilista. Abramos as portas do verdadeiro Natal às nossas crianças: Jesus Cristo, nos seus valores e propostas, é a Esperança de um mundo novo, pleno de humanização! Jesus Cristo, nascido em Belém, terra do Pão, eis o motivo do Natal! Não fechemos as portas da beleza do Natal aos que, mais do que ninguém, merecem viver em Esperança.

Atrevo-me a sugerir a todos os pais e encarregados de educação que não privem as crianças e adolescentes das belezas que os pastores da campinas de Belém puderam saborear junto ao Presépio: uma criança envolta em panos e deitada na manjedoura, ladeada pela simplicidade de Maria e José. Talvez, uma das oportunidades para que cada criança e adolescente possa sentir o bater do coração do Natal, seja ir com os pastorinhos de Belém até ao Presépio e com eles acenderem a fogueira fraterna da amizade, capaz de aquecer o frio e iluminar a noite numa inesquecível catequese de vida e para a vida.

Às portas do Ano Santo 2025, unido ao querido Papa Francisco, desejo e rezo para todos um fecundo Natal e Santo Ano Novo!

 

+ Francisco José Senra Coelho

Arcebispo de Évora

 

 

23 Dez 2024

Mensagem do Arcebispo de Évora para o Natal 2024 e para a abertura do Ano Santo na Catedral e Basílica Metropolitana

MENSAGEM DO ARCEBISPO DE ÉVORA PARA O NATAL 2024

E PARA A ABERTURA DO ANO SANTO NA CATEDRAL E BASÍLICA METROPOLITANA

 

Dirijo-me a todos os Cristãos e Cristãs da Arquidiocese de Évora, bem como a todas as Pessoas de Boa Vontade para as saudar, cumprimentar e desejar Boas Festas neste Tempo Natalício, tão marcante na nossa História, na nossa cultura, nas tradições e no imaginário da criatividade e das adaptações aos novos tempos. A todos desejo um fecundo Ano Santo 2025. Que a bênção da Paz inunde este novo ano, também celebrativo do Jubileu do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.

1 – Ao interrogar os tempos e ao escutar muitos corações, registo algumas interrogações que parecem assumir transversalmente as preocupações de muitos. Refiro-me, por exemplo, à fragilidade da Paz e ao alastramento ameaçador da guerra, com dimensão global e com frequentes alusões ao recurso nuclear ou atómico; às grandes mutações populacionais, com os seus consequentes movimentos migratórios; à ecologia global e às, ainda por alguns discutidas, alterações climáticas; aos novos equilíbrios geo-estratégicos e hegemónicos, que já se desenham e perspectivam; aos diversos e antagónicos radicalismos, que eivados de excessos já dolorosamente comprovados pela História, desafiam ou põem mesmo em causa as culturas politicamente  dominantes, chamadas “Democracias”.

2 – Entre nós, no espaço territorial da Arquidiocese de 13 547 Km2, espalhada por quatro distritos, vinte e quatro concelhos, nove cidades, dezenas de vilas e cento e cinquenta e oito paróquias e com mais de 255 mil habitantes, acrescentam-se as apreensões com o constante envelhecimento populacional e com o crescente despovoamento, também fruto da migração das novas gerações originárias desta região alentejana e ribatejana e dos injustos desequilíbrios provindos de uma ineficaz política do ordenamento do território, desmotivadora do investimento e empreendedorismo, em alguns casos, capaz de provocar mesmo o desalento e a desistência.

Ficam-nos ainda interrogações sobre temas, tais como a integração dos imigrantes, que constantemente chegam até nós e de quem necessitamos; e como evoluirá o actual sucesso do “Turismo”, tão importante para a actual sustentabilidade da Região.

3 – Sobre todas estas questões e muitas outras, tais como assuntos de carácter antropológico, existencial, social, político, cultural, económico e financeiro, se reflectiu em várias instâncias consultivas e executivas de uma Arquidiocese que conta com um Instituto Superior Universitário, dirige ou colabora com várias Fundações, opera na governança de dezenas de IPSS, colabora com mais de três dezenas de Santas Casas da Misericórdia e diversas Associações com várias finalidades, Colégios, Serviços e Movimentos Assistenciais como a Caritas e a Sociedade de S. Vicente de Paulo.

De toda a nossa reflexão brotou uma constatação, para que resplandeça uma Primavera nos corações e mentes humanas, necessitamos de procurar motivos de Esperança. A Esperança é a âncora que nós seguramos em horas de incerteza e de busca de novos rumos na bússola do discernimento. Como ensina o Papa Francisco “o optimismo desengana, a esperança não” (audiência geral, 7 de dezembro de 2016). De facto, o optimismo situa-se no âmbito das capacidades e possibilidades humanas, enquanto a esperança, virtude teologal, nos vem da certeza de que Deus jamais nos abandona. Importa recordar o pensamento do grande biblista e teólogo C. M. Martini “esperar equivale a viver: o homem de facto, vive enquanto espera e a definição do seu existir está ligada à definição do âmbito da sua esperança” (2012).

Da normalidade dos nossos encontros quotidianos com as famílias, os jovens, e lembro a forte experiência que nos permitiu a JMJ, os universitários,  com as crianças, os avós; com docentes, autarcas, empresários, agricultores, profissionais de diversos tipos, incluindo jornalistas, agentes da comunicação social e fazedores de opinião pública, não esquecendo sequer as forças militares e de segurança; de todos os quadrantes e sectores percebeu-se a necessidade de um valor acrescido, a Esperança!

4 – A Arquidiocese de Évora propõe a todos o desafio da Esperança: “Peregrinos de Esperança”. É assim, que apresenta ao interior da Igreja e a toda a Sociedade o seu contributo para este Ano Pastoral, 2024-2025. Atrevo-me a perguntar: Quem quer vir connosco procurar as raízes da Esperança e fazê-las florir neste tempo bastante baço, se não mesmo opaco? Afinal, onde mora ou quem pode ser Esperança? Dito de outro modo, o que vale definitivamente, e pelo qual vale a pena, dar a vida?

Conforme refere o nosso citado Plano Pastoral, “No dia 9 de Maio, o Papa Francisco publicou a Bula de proclamação do Jubileu 2025, “Spes non confundit…”. Neste documento, são traçadas as grandes ideias que deverão marcar a nossa caminhada jubilar, bem como o itinerário a que a Igreja é chamada a percorrer. Como Igreja diocesana, não queremos ficar alheios aos desafios que nos são lançados pelo Papa Francisco.” (…) De facto, “a esperança não pode ser uma palavra vaga e sem conteúdo. Evocar a esperança é ter a ousadia de olhar para os lugares onde essa mesma esperança é uma urgência para muitos e um compromisso para todos. Dos lugares da esperança ergue-se um coro de vozes aflitas que fazem a experiência dos mais atrozes cativeiros que não nos podem deixar indiferentes”, por isso para a nossa Arquidiocese o objetivo para este tempo é “celebrar o Ano Santo em comunhão com a Igreja, para a renovação de cada uma das comunidades cristãs”.

Em plena comunhão com o Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, em cumprimento das determinações do Santo Padre, o Papa Francisco, e em consonância com o nosso Plano Pastoral, convoco toda a Igreja Diocesana de Évora, o Povo Santo de Deus que peregrina nestas terras eborenses, para no próximo dia 29 de Dezembro, pelas 16 horas, nos congregarmos na Igreja de Santo Antão, em Évora, para aí, darmos início à Santa Missa Estacional que de seguida peregrinará processionalmente até à nossa Catedral e Basílica Metropolitana, a fim de iniciarmos o jubileu do Ano Santo na nossa Igreja Mãe, celebrando a Eucaristia e todos os Ritos próprios e indicados pelo competente Dicastério da Santa Sé.

O Rev. Presbitério, com o seu Cabido Catedralício; os Rev. Diáconos, os Religiosos e Religiosas, os Consagrados, os Seminaristas e todo o Laicado são convidados a participar jubilosamente neste momento eclesial de elevada catolicidade, expressão da nossa comunhão com o Papa e com toda a Igreja Universal espalhada sobre a face da terra.

Que na cidade de Évora e nesta tarde, nenhuma celebração eucarística seja realizada a par deste solene acto de Unidade. Que em toda a Arquidiocese, sejam previamente previstas as alterações de horários de Missas Dominicais, para que seja possível a participação de todos os clérigos de algum modo, vinculados a esta Arquidiocese. Espera-se o empenho e a colaboração de todos os Católicos.

5 – É Tempo de Natal! O Natal de Cristo garante-nos que “A esperança não engana porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rom. 5, 1-2). Que a semente do Natal faça frutificar a Esperança do Amor de Deus que não ilude, nem nos abandona; no coração e na mente de todos nós, sobretudo nos que, porventura, mais sofrem: os sós, os presidiários, os desprotegidos, os discriminados, os frágeis, os doentes, os dependentes e acima de tudo os desistentes e derrubados da vida.

6 – Obrigado a todos os que guiados pelo sussurro da Esperança, consolidam ou acendem a esperança apagada nos seus irmãos!

Muito obrigado, aos que iluminados pela Luz da Luz, refletem no testemunho coerente, fraterno e solidário essa Luz, através do seu voluntário e dedicado esforço pela verdade, transparência e justiça.

7 – Todos merecemos e precisamos que haja Natal de verdade, porém demos prioridade às crianças e adolescentes. Não lhes leguemos a caricatura pobre e deformada de um Natal meramente consumista e mercantilista. Abramos as portas do verdadeiro Natal às nossas crianças: Jesus Cristo, nos seus valores e propostas, é a Esperança de um mundo novo, pleno de humanização! Jesus Cristo, nascido em Belém, terra do Pão, eis o motivo do Natal! Não fechemos as portas da beleza do Natal aos que, mais do que ninguém, merecem viver em Esperança.

Atrevo-me a sugerir a todos os pais e encarregados de educação que não privem as crianças e adolescentes das belezas que os pastores da campinas de Belém puderam saborear junto ao Presépio: uma criança envolta em panos e deitada na manjedoura, ladeada pela simplicidade de Maria e José. Talvez, uma das oportunidades para que cada criança e adolescente possa sentir o bater do coração do Natal, seja ir com os pastorinhos de Belém até ao Presépio e com eles acenderem a fogueira fraterna da amizade, capaz de aquecer o frio e iluminar a noite numa inesquecível catequese de vida e para a vida.

Às portas do Ano Santo 2025, unido ao querido Papa Francisco, desejo e rezo para todos um fecundo Natal e Santo Ano Novo!

+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora